O que é a hemofilia?

A hemofilia é um distúrbio hemorrágico hereditário. O sangue contém muitas proteínas, chamados factores de coagulação que actuam para parar a hemorragia. As pessoas com hemofilia têm níveis baixos ou ausência de um destes factores da coagulação no seu sangue. A falta de factor de coagulação leva a que as pessoas cujos níveis de factores sanguíneos sejam normais. As pessoas com hemofilia não sangram mais rápido do que as outras pessoas, e não se esvaem em sangue até à morte devido a um corte ou ferimento menor. O principal problema para as pessoas com hemofilia é as hemorragias internas, principalmente nas articulações e músculos.

Qual é a diferença entre hemofilia A e hemofilia B?

Existem dois tipos de hemofilia: hemofilia A e hemofilia B (chamada por vezes doença de Christmas). Ambas causadas por um baixo nível ou ausência das proteínas do sangue (factores) que controlam as hemorragias. A hemofilia A é causada por uma deficiência de factor VIII e a hemofilia B é causada por uma deficiência de factor IX. Não existe nenhuma diferença entre os dois tipos de hemofilia, excepto que a hemofilia A é cerca de cinco vezes mais comum do que a hemofilia B.

Existem outros tipos de distúrbios hemorrágicos?

Sim, existem diversas diferenças de factor que também causam hemorragias anómalas. Estas incluem deficiência dos factores I, II, V, VII, X, XI, XII e o factor von Willebrand. As formas mais graves destas deficiências são ainda mais raras do que a hemofilia A e a hemofilia B.

Como é que uma pessoa tem hemofilia?

A hemofilia é uma deficiência genética, que é normalmente hereditária. Não pode ser contraída ou transmitida excepto se for por transmissão hereditária, o gene da hemofilia é transmitido de pais para filhos.
Cerca de um terço de novos casos são causados por uma nova mutação do gene na mãe ou na criança. Nestes casos não existe história prévia de hemofilia na família.

É para toda a vida?

Uma pessoa que nasce com hemofilia terá sempre hemofilia. O seu nível de factor VIII ou IX no sangue normalmente mantém-se igual ao longo da vida.

A hemofilia só afecta homens?

As formas mais graves de hemofilia afectam maioritariamente só homens. As mulheres só podem ser gravemente afectadas se o seu pai tiver hemofilia e a mãe for portadora. Este é um caso extremamente raro. No entanto, muitas mulheres que são portadoras têm sintomas de hemofilia leve.

Como é transmitida a hemofilia?

O gene de hemofilia é transmitido de pais para filhos. Quando o pai tem hemofilia mas a mãe não tem, nenhum dos filhos rapazes terão hemofilia, mas todas as filhas serão portadoras do gene da hemofilia.
Os genes para a hemofilia A e B estão localizados no cromossoma X, os cromossomas que determinam o sexo de uma pessoa chamam-se X e Y. Os homens tem um cromossoma Y e um cromossoma X e as mulheres têm dois cromossoma X.
Como os homens só têm um cromossoma X, se herdarem o gene da hemofilia, terão hemofilia. Como as mulheres têm dois cromossomas X, se um cromossoma X tiver o gene da hemofilia, o outro cromossoma X compensa-o.
As mulheres que têm o gene da hemofilia são chamadas portadoras e podem transmiti-lo aos seus filhos. Quando a mãe é portadora e o pai é normal, para cada criança que nasce existe uma probabilidade de 25% de ser um rapaz e ter hemofilia e 25% de ser uma rapariga e ser portadora

Existem algumas precauções que uma portadora possa/deva tomar antes de engravidar?

É importante que o hematologista de uma mulher portadora, esteja envolvido no acompanhamento da gravidez e que exista alguma ligação com o obstetra antes do parto.
Não é necessário realizar um diagnóstico pré-natal só para acompanhar a gravidez, este só é feito se se considerar a interrupção da gravidez. O nível de factor VIII (mas não de factor IX) tem tendência para aumentar durante a gravidez mas deve ser verificado por volta dos últimos meses de gravidez.
Um parto vaginal normal, é perfeitamente aceitável, mesmo se se souber que o feto é menino e em risco de ter hemofilia. A anestesia epidural, não apresenta normalmente problemas e geralmente é permitida se o nível de factor da mãe for de 40% ou mais. Uma amostra do sangue do cordão umbilical será usada, para verificar se o bebé (do sexo masculino) tem hemofilia.

O que é hemofilia adquirida?

Em casos raros, uma pessoa pode, mais tarde, desenvolver hemofilia. A maioria dos casos envolve pessoas de meia-idade ou mais velhas ou mulheres jovens que tiveram recentemente um bebé ou estão no último estádio da gravidez.
A hemofilia adquirida é normalmente causada pelo desenvolvimento de anticorpos ao factor VIII (o sistema imunitário do corpo destrói o seu próprio factor VIII, produzido naturalmente). Esta condição resolve-se geralmente com uma terapêutica apropriada que pode envolver uma combinação de medicamentos esteróides e do medicamento ciclofosfamida.

A hemofilia é comum?
A hemofilia é bastante rara. Cerca de uma em cada 10.000 pessoas nasce com hemofilia A e cerca de uma em cada 50.000 pessoas nasce com hemofilia B.

Qual é a gravidade da hemofilia?

A gravidade da hemofilia é determinada pelo nível de actividade da coagulação do factor VIII ou do factor IX, presentes no sangue. Existem três níveis de gravidade: leve, moderada e grave. A seguinte tabela mostra a variação da actividade do factor VIII e do factor IX:

Nível % da actividade normal de factor no sangue Nº de unidades internacionais (UI) por mililitro (ml) de sangue total
Normal 50%-150% 0.50 – 1.5 UI
Hemofilia leve 5%-40% 0.05 – 0.40 UI
Hemofilia moderada 1%-5% 0.01 – 0.05 UI
Hemofilia grave >1% menos que 0.01 UI

As pessoas com hemofilia grave apresentam normalmente hemorragias articulares ou musculares. Podem ter hemorragias uma a duas vezes por semana. As hemorragias são normalmente espontâneas, o que significa que a hemorragia ocorre sem causas óbvias ou aparentes. As pessoas com hemofilia moderada têm hemorragias com menos frequência, estas ocorrem geralmente após lesão. No entanto, os casos de hemofilia variam, podendo uma pessoa com hemofilia moderada apresentar também hemorragias espontâneas.
As pessoas com hemofilia leve apresentam, geralmente, hemorragias como consequência de uma cirurgia ou lesão grave e podem nunca ter um problema hemorrágico.

Como é diagnosticada a hemofilia?

A hemofilia é diagnosticada retirando uma amostra de sangue e medindo e medindo o nível da actividade do factor no sangue. A hemofilia A é diagnosticada testando o nível da actividade de coagulação do factor VIII no sangue e a hemofilia B é diagnosticada testando o nível de coagulação do factor IX.
Se a mãe for portadora, os testes podem ser feitos antes do bebé nascer. O diagnóstico pré-natal pode ser feito das nove às onze semanas, através de uma biopsia das vilosidades coriónicas ou pela análise do sangue fetal num estádio mais avançado (18 ou mais semanas).

Serviços de aconselhamento genético e pré-natal:

Lisboa:
– Unidade de Genética do Serviço de Pediatria, Hospital de Santa Maria
– Consulta de Diagnóstico Pré-natal, da Maternidade Alfredo da Costa
– Serviço de Genética Médica do Hospital Egas Moniz
– Serviço de Genética do Hospital Dona Estefânia
Porto:
– Instituto de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães
– Serviço de Genética do Hospital de S. João
Coimbra:
– Consulta de Diagnóstico Pré-natal da Maternidade Bissaya Barreto
– Consulta de Aconselhamento Genético do Hospital Pediátrico
Hospitais Distritais:
Viana do Castelo, Setúbal, Beja e Faro, entre outros.

Para mais informações não hesite em contactar-nos.

Onde é que ocorrem as hemorragias?
A maioria das hemorragias na hemofilia ocorre internamente, nas articulações ou músculos. As articulações mais afectadas são as dos joelhos, tornozelos e cotovelos. Hemorragias repetidas sem tratamento atempado, podem danificar a cartilagem e o osso da articulação, conduzindo a artrite crónica e incapacidade.
As hemorragias musculares mais graves são as dos músculos psoas-ilíaco (na frente da área da virilha), antebraço e barriga da perna.
Algumas hemorragias podem ser fatais e requerem tratamento imediato, como hemorragias na cabeça, garganta, estômago ou no psoas-ilíaco.
Quais são os sintomas da hemofilia?

Os sintomas da hemofilia A e B são os mesmos.

  • Nódoas negras fáceis;
  • Grandes hematomas;
  • Hemorragias nas articulações e músculos, especialmente joelhos, cotovelos e tornozelos;
  • Hemorragias espontâneas (hemorragias súbitas no interior do organismo devido a nenhuma razão aparente);
  • Hemorragia mais demorada após corte, extracção de um dente ou cirurgia;
  • Hemorragias internas graves, nos órgãos vitais, mais comummente após um traumatismo sério.

Como é que a hemofilia é tratada?

A hemofilia é tratada pela administração do factor da coagulação em falta no sangue, através de injecção intra-venosa. A hemorragia para, quando uma quantidade suficiente de factor da coagulação alcança o local da hemorragia. É muito importante que o tratamento seja administrado o mais rapidamente possível, para prevenir danos a longo prazo.
Com uma quantidade certa de produtos terapêuticos e um cuidado adequado, as pessoas com hemofilia podem ter vidas perfeitamente saudáveis.
Os factores da coagulação encontram-se nos seguintes produtos sanguíneos em ordem decrescente de concentração:
– Concentrados de factor;
– Crioprecipitados;
– Plasma;
– Sangue total
Concentrados de factor: são o tratamento de eleição para a hemofilia. Podem ser fabricados a partir de sangue humano (produtos derivados do plasma) ou a partir de engenharia genética (produtos recombinantes). Os concentrados de factor são fabricados em instalações sofisticadas. Todos os concentrados de factor preparados comercialmente são tratados de forma a remover ou inactivar vírus transmitidos pelo sangue.
As pessoas com hemofilia A leve, usam por vezes desmopressina (também chamada DDAVP), uma hormona sintética que estimula a libertação de factor VIII.

As nódoas negras são perigosas?

As nódoas negras são muito comuns nas crianças com hemofilia. Uma nódoa negra não é normalmente causa para alarme, a não ser que seja na cabeça ou no pescoço da pessoa, que dificulte o movimento, doa, o alto na nódoa negra aumente ou não desapareça ou haja dormência ou formigueiro simultaneamente. Se sentir algum destes sintomas deve consultar o médico ou o centro de hemofilia local.

As pessoas com hemofilia devem evitar aspirina?

As pessoas com hemofilia não devem tomar aspirina (AAS ou ácido acetilsalicílico) ou qualquer outra coisa que contenha aspirina, porque interfere com a aderência das plaquetas sanguíneas e aumenta os problemas hemorrágicos.
O paracetamol (acetaminofen) é uma alternativa perfeitamente segura à aspirina para aliviar a dor, por exemplo, as dores de cabeça.

As pessoas com hemofilia devem exercitar-se e praticar desporto?
Algumas pessoas com hemofilia não fazem exercício porque pensam que pode causar hemorragia, mas o exercício pode, na realidade, prevenir as hemorragias. Músculos fortes ajudam a proteger a pessoa com hemofilia das hemorragias espontâneas e dos danos articulares.
O desporto é uma actividade importante para os jovens. Não só ajuda a construir os seus músculos, como ajuda a desenvolver a concentração mental, a coordenação motora e a aprender regras, limites e a fazer parte de uma equipa. Contudo, alguns desportos são mais arriscados que outros e os benefícios devem ser pesados mediante os riscos. A gravidade da hemofilia também deve ser considerada na escolha de um desporto. Desportos como a natação, o badmington, o ciclismo e a caminhada são seguros para a prática pela maioria das pessoas com hemofilia, enquanto que desportos como o rugby e o boxe não são recomendados.

O que são inibidores?
Os inibidores são anticorpos ao factor VIII ou factor IX, criados pelo sistema imunitário do corpo que atacam e destroem as proteínas do factor VIII e factor IX presentes nos concentrados de factor da coagulação, tornando o tratamento ineficaz. Os inibidores aparecem quase exclusivamente em pacientes com hemofilia grave. Existe alguma controvérsia sobre a incidência (número de casos novos) precisa do desenvolvimento de inibidores, mas é geralmente aceite que 10% a 30% das pessoas com hemofilia grave poderão desenvolver inibidores em alguma altura da sua vida.
Em contraste, o desenvolvimento de inibidores na hemofilia B é mesmo muito raro, observando-se em 1% a 3% dos indivíduos. A maioria dos inibidores emergem após relativamente poucos tratamentos. Em geral, quantos mais tratamentos a pessoa tiver realizado sem desenvolver inibidores, menos provável é que os venha a desenvolver.
Existem tratamentos que podem eliminar os inibidores. Em outros casos, desaparecem naturalmente ou podem continuar por muitos anos.

O que é a profilaxia?

A profilaxia é o uso regular de concentrados de factor da coagulação, de forma a prevenir as hemorragias antes destas iniciarem. São administradas injecções de factor da coagulação uma, duas ou três vezes por semana, para manter um nível constante de factor VIII ou IX na corrente sanguínea.
A profilaxia ajuda a reduzir ou a prevenir as lesões articulares. Em países com acesso a quantidades adequadas de concentrados de factor da coagulação esta está a tornar-se a forma de tratamento normal para os mais novos com hemofilia e pode ser iniciado quando as veias o permitirem ou estiverem bem desenvolvidas.

O que é um dispositivo de acesso venoso (port-a-cath)?
Um port-a-cath ou dispositivo de acesso venoso implantável, é normalmente introduzido no peito mas existem modelos que podem ser introduzidos no braço. Tem um pequeno reservatório metálico, com um diafragma de borracha que está ligado a um cateter que é então implantado numa veia de grande calibre no peito ou braço.
Todo o dispositivo é implantado cirurgicamente por baixo da pele, não ficando nenhum cateter suspenso fora do corpo. O dispositivo facilita um acesso rápido à veia para a administração intravenosa de medicação e fluidos e pode também ser utilizado para recolher amostras de sangue.
O acesso ao dispositivo faz-se inserindo uma agulha especial através da pele até ao diafragma de borracha do reservatório. A medicação é então injectada no dispositivo e flui pelo cateter até à veia.
Estes dispositivos tornaram a hemofilia muito mais acessível para as famílias porque os problemas de “encontrar uma veia” para infundir duas ou três vezes por semana são eliminados.
Contudo, existem riscos que envolvem o seu uso, sendo o mais preocupante a infecção. Os estudos divergem, mas alguns mostram uma taxa de infecção de 50%. Estas infecções podem ser tratadas com antibióticos intravenosos mas por vezes o dispositivo tem de ser retirado. Existem também outros estudos que mostram o risco de formação de coágulos na extremidade do cateter. De qualquer forma, muitas famílias optaram pelo uso deste dispositivo apesar do risco, devido aos benefícios que apresenta. Como em qualquer procedimento devem pesar-se os riscos e os benefícios.
A hemofilia tem cura?
Ainda não existe cura para a hemofilia, mas a terapia genética continua a ser uma possibilidade excitante e contém a perspectiva de uma cura parcial ou completa para a hemofilia. Existem muitos obstáculos técnicos a ultrapassar mas é encorajador ver os esforços da investigação que estão em curso.
Qual é a esperança média de vida para uma pessoa com hemofilia?
A esperança de vida de uma pessoa com hemofilia depende de esta receber tratamento adequado. Sem tratamento adequado, muitas pessoas com hemofilia morrem antes de atingirem a idade adulta. Contudo, com tratamento adequado, as crianças podem, hoje em dia, apresentar uma esperança de vida normal, comparativamente à de outras crianças.