O que é a deficiência de Factor I (Fibrinogénio)?

O Fibrinogénio, também conhecido como Factor I, é a proteína sanguínea produzida pelo fígado que desempenha um papel importante na coagulação do sangue. Quando o Fibrinogénio não funciona correctamente ou quando está ausente ou nível muito baixo, um coágulo sanguíneo tem dificuldade em formar-se. As pessoas com deficiência de Factor I têm um “distúrbio hemorrágico combinado” que significa que tanto as plaquetas (as células sanguíneas que fazem um tampão nas perfurações das artérias, veias e capilares) como a coagulação são anómalas. A deficiência de Factor I(Fibrinogénio) é um distúrbio hemorrágico hereditário muito raro, muitas vezes encontrado em pessoas cujos pais são familiares consanguíneos. A deficiência de Factor I (Fibrinogénio) é um termo geral para diversos distúrbios de coagulação raros conhecidos como defeitos congénitos de Fibrinogénio.

Dois distúrbios do Fibrinogénio: Afibrinogenemia (Ausência completa de Fibrinogénio) e Hipofibrinogenemia ( Baixos níveis de Fibrinogénio) – são conhecidas como anomalias quantitativas porque resultam de uma ausência ou baixa quantidade de Fibrinogénio. A terceira – Disfibrinogenemia – chama-se anomalia qualitativa porque é resultado do Fibrinogénio não funcionar correctamente.

Dos três tipos principais, a Afibrinogenemia é um “distúrbio autossómico recessivo”, o que significa que ambos os pais têm de ser portadores do gene anómalo de forma a transmiti-lo. Pode ocorrer numa criança de qualquer sexo. A hipofibrinogenemia e a disfibrinogenemia tanto podem ser recessivas (ambos os pais são portadores do gene) ou dominantes (só um dos pais é portador). Os genes são encontrados no cromossoma 4. A deficiência de Factor I (Fibrinogénio) afecta homens e mulheres em igual número. Os sintomas diferem dependendo da forma de deficiência de Factor I que está presente.

Afibrinogenemia é normalmente descoberta em recém-nascidos. Pode causar hemorragia do cordão umbilical.

Os sintomas podem incluir:

  • Sangramento das gengivas;
  • Hemorragias nasais;
  • Hemorragias excessivas do estômago (hemorragia gastrointestinal);
  • Hemorragia excessiva no tracto genito-urinário (rins, ureteres, bexiga, uretra);
  • Hemorragia excessiva no cérebro (hemorragia intra-craniana);
  • Ruptura do baço e hemorragia prolongada no baço;
  • Hemorragia no sistema nervoso central.

Hipofibrinogenemia apresenta os mesmos sintomas acima descritos e ainda uma incidência aumentada de abortos espontâneos. As pessoas com este distúrbio podem ter hemorragias leves, moderadas ou grandes dependendo dos níveis de Factor I. Quanto menor o nível, menor a hemorragia.

Disfibrinogenemia existem 70 tipos identificados. As pessoas com disfibrinogenemia tem muito poucos sintomas, apesar de algumas pessoas poderem desenvolver trombose (um cogulo sanguíneo num vaso sanguíneo) ou mostram uma tendência para hemorragias prolongadas ou exibem traços de ambas.

A deficiência de Factor I (Fibrinogénio) é diagnosticada por uma diversidade de testes ao sangue para verificar se existe um distúrbio hemorrágico e, se tal, para determinar qual delas é. Mais testes determinarão qual dos tipos de Factor I(Fibrinogénio) está presente.

Muitas pessoas com hipofibrinogenemia ou desfibrinogenemia não necessitam de tratamento. Quando é necessário tratamento, a deficiência de Factor I ((Fibrinogénio) é tratada com:

  • Concentrados de Fibrinogénio;
  • Crio-precipitados;
  • Plasma fresco congelado (PFC).

O que é a deficiência de Factor II?

A deficiência de Factor II (Protrombina) é um distúrbio hemorrágico hereditário causado por um defeito ou falta de uma proteína no sangue (Factor II) que ajuda o sangue a coagular.

A deficiência de Factor II é muito rara; estima-se que a incidência seja de 1 em 2 000.000 pessoas. É transmitida dos pais para a criança e é conhecida como um “distúrbio autossómico recessivo”, que significa que ambos os pais têm de ser portadores do gene anómalo de forma a transmiti-lo e pode ocorrer em pessoas de ambos os sexos.

Na deficiência de Factor II, existe uma quantidade abaixo do normal de protrombina no sangue, ou a protrombina não funciona correctamente. Num processo de coagulação eficaz, O Factor X, proteína sanguínea, converte a protrombina em trombina que, por sua vez, continua uma complexa reacção em cadeia de coagulação. Sem protrombina, o processo quebra-se. A deficiência de Factor II pode ser também adquirida mais tarde na vida. Doenças de fígado graves podem abrandar ou parar a produção de protrombina. Medicamentos anti-coagulantes ou a deficiência de vitamina K podem também interferir com uma produção eficaz de protrombina.

A deficiência de Factor II adquirida é mais comum do que a forma hereditária, embora ainda que muito rara.

Os sintomas podem incluir:
  • Hemorragia do cordão umbilical à nascença;
  • Nódoas negras fáceis;
  • Hemorragias nasais;
  • Hemorragia abundante ou prolongada durante os períodos menstruais (menoragia);
  • Hemorragia anormal durante ou após cirurgia, intervenção dentária ou parto;
  • Hemorragias musculares ocasionais.
A deficiência de Factor II é diagnosticada por uma variedade de testes sanguíneos para analisar se existe um distúrbio hemorrágico e, caso exista, para determinar qual delas é. A deficiência é tratada com:
  • Concentrados de factor da coagulação que contem Factor II;
  • Concentrados de complexo protrombínico (CSCP);
  • Plasma fresco congelado (PFC).

O que é a deficiência de Factor V?

A deficiência de Factor V (proacelerina) é um distúrbio hemorrágico hereditário. A deficiência de Factor V é causada por um defeito ou falta de uma proteína (Factor V) no sangue que auxilia na coagulação. É muito rara, afectando uma em 1 000.000 de pessoas, homens e mulheres em igual número. É um “distúrbio autossómico recessivo”, o que significa que ambos os pais têm que ser portadores do gene anómalo de forma a transmiti-lo. O gene encontra-se no cromossoma 1.

As crianças com deficiência grave podem ter hemorragias muito precocemente e o desenvolvimento de anticorpos ao Factor V parecem ser mais comuns.

Na maioria dos casos, um nível de 20% do normal é suficiente para prevenir hemorragias mesmo após cirurgia.

Os sintomas podem incluir:
  • Hemorragias nasais;
  • Nódoas negras fáceis;
  • Hemorragias menstruais abundantes ou prolongadas (menorragia);
  • Hemorragia após traumatismo (lesão);
  • Hemorragia anómala após cirurgia;
  • Hemorragia articular e muscular em pessoas com deficiência de Factor V grave.

A deficiência de Factor V é diagnosticada por uma variedade de testes sanguíneo para analisar se existe um distúrbio hemorrágico e, caso exista, para determinar qual delas é.

Deve também testar-se o Factor VIII para assegurar que o distúrbio não é uma associação entre as deficiências de Factor V e o factor VIII, que é um distúrbio completamente distinto. A deficiência de Factor V é tratada com plasma fresco congelado (PFC).

O que é a deficiência combinada de Factor V e Factor VIII?

A deficiência combinada de Factor V e Factor VIII é um distúrbio hemorrágico hereditário muito raro. O factor V e o Factor VIII são proteínas que existem no sangue que auxiliam na coagulação. Neste distúrbio, os níveis dos dois factores são abaixo do normal, entre 5% e 20% dos níveis normais. A maioria dos casos são encontrados nas zonas circundantes do Mar Mediterrâneo, especialmente em Israel, Irão e Itália. A incidência nalgumas populações estima-se ser de 1 em 100.000 pessoas. O distúrbio afecta homens e mulheres em igual número.

A deficiência combinada de Factor V e Factor VIII é um distúrbio autossómico recessivo”, o que significa que ambos os pais têm de ser portadores para o transmitir. O gene anómalo está no cromossoma 18. Em casos extremamente raros, em vez de herdar um único gene com a deficiência combinada Factor V-VIII uma criança pode herdar um gene de factor V anómalo de ambos os pais e um gene de Factor VIII anómalo de um dos pais.  

Os sintomas da deficiência combinada de Factor V e Factor VIII podem incluir:

  • Nódoas negras fáceis;
  • Hemorragias nasais;
  • Hemorragias menstruais abundantes ou prolongadas (menorragia);
  • Hemorragia anómala durante ou após cirurgia, intervenção dentária ou parto;
  • Hemorragia após lesão (ferimento).

A deficiência de Factor V E Factor VIII é diagnosticada por uma variedade de testes sanguíneo para analisar se existe um distúrbio hemorrágico e, caso exista, para determinar qual delas é.

A deficiência combinada de Factor V e factor VIII é tratada com:
  • Plasma fresco congelado para corrigir a deficiência de Factor V; e
  • Desmopressina, uma hormona sintética que aumenta os níveis de Factor VIII; ou
  • Concentrados de Factor VIII para aumentar o nível de factor (dependendo da gravidade da deficiência e da natureza do ferimento ou cirurgia).

O que é a deficiência de Factor VII?
 

A deficiência de Factor VII (proconvertina) é um distúrbio hemorrágico hereditário causado por um defeito ou falta de uma proteína sanguínea (Factor VII) que ajuda o sangue a coagular.

O distúrbio é raro, afectando 1 em cada 500.000 de pessoas, com mulheres e homens em igual número. É um “distúrbio autossómico recessivo” o que significa que ambos os pais têm de ser portadores para o transmitir. O gene anómalo encontra-se no cromossoma 13. A deficiência de Factor VII pode também ser adquirida através de doença hepática (no fígado), baixos níveis de vitamina K ou devido a outros problemas com a absorção. A forma adquirida do distúrbio pode também desenvolver-se em pessoas que tomam Coumadin, um medicamento que inibe a coagulação sanguínea.

Os sintomas de deficiência de Factor VII podem incluir:

  • Hemorragia na cabeça do recém-nascido;
  • Hemorragia abundante na circuncisão;
  • Hemorragias nasais;
  • Hemorragias das gengivas;
  • Hemorragias menstruais abundantes ou prolongadas (menorragia);
  • Hemorragia gastrointestinal.

A deficiência de Factor VII é diagnosticada por uma variedade de testes sanguíneo para analisar se existe um distúrbio hemorrágico e, caso exista, para determinar qual delas é.

A deficiência de Factor VII é tratada com:
  • Concentrados recombinantes VIIa;
  • Concentrados de Factor VII;
  • Concentrados de complexo protrombínico contendo Factor VII;
  • Plasma fresco congelado (PFC).

O que é a deficiência de Factor X?

A deficiência de Factor X é um distúrbio hemorrágico hereditário. È causado por um defeito ou falta de uma proteína sanguínea (Factor X) que ajuda o sangue a coagular.

Afecta 1 em cada 1 000.000 de pessoas. É mais frequentemente encontrado em locais onde o casamento entre parentes próximos é comum. É um distúrbio autossómico recessivo”, o que significa que ambos os pais têm de ser portadores para o transmitir. O gene anómalo encontra-se no cromossoma 13. A deficiência de Factor X afecta homens e mulheres em igual número.

A maioria das pessoas com deficiência de Factor X não tem sintomas. Mas caso ocorram, sendo que variam de pessoa para pessoa, podem incluir:

  • Hemorragias nasais;
  • Hemorragias menstruais abundantes ou prolongadas (menorragia);
  • Hemorragia abundante na circuncisão;
  • Hemorragia do cordão umbilical no parto;
  • Hemorragia na mãe após o parto;
  • Aborto espontâneo no primeiro trimestre;
  • Hemorragias articulares (hemartroses);
  • Hemorragias nos tecidos moles e músculos;
  • Nódoas negras fáceis;
  • Hemorragias gastrointestinais;
  • Hemorragias do tracto urinário;
  • Hemorragias durante e após cirurgia;
  • Hemorragia após lesão.

As pessoas com deficiência grave de Factor X podem ter episódios hemorrágicos maiores.

A deficiência de Factor X é diagnosticada por uma variedade de testes sanguíneo para analisar se existe um distúrbio hemorrágico e, caso exista, para determinar qual delas é.

A deficiência de Factor X é tratada com:
  • Concentrados de complexos protrombínicos contendo factor X;
  • Plasma fresco congelado (PFC).

O que é a deficiência de Factor XI?

A deficiência de Factor XI (antecedente tromboplástico do plasma) é um distúrbio hemorrágico hereditário, causado por um defeito ou falta de uma proteína sanguínea (Factor XI) que ajuda o sangue a coagular. O distúrbio é também conhecido como Hemofilia C. Distingue-se da Hemofilia A e B devido à ausência de hemorragias articulares e musculares.

A deficiência de factor XI é o mais comum dos distúrbios hemorrágicos raros, estimado em 1 em cada 100.000 pessoas, e é o 2º mais comum distúrbio hemorrágico que afecta as mulheres depois da doença de von Willebrand.

As pessoas com um único gene de Factor XI anómalo podem ter hemorragias excessivas. O gene é encontrado no cromossoma 4. Algumas pessoas herdaram, a deficiência de Factor XI quando somente 1 dos pais era portador de gene. A deficiência de Factor XI é mais comum entre os Judeus Ashkenazi, ou seja, judeus com antepassados da Europa Oriental. 8% daquela população é portadora do gene anómalo. Contudo tem sido descrito em todas as raças. A maioria das pessoas com deficiência de Factor XI ou não tem hemorragias ou estas são mínimas. Os sintomas variam largamente, mesmo entre membros da mesma família, o que torna mais difícil o seu diagnóstico.

Os sintomas podem incluir:

  • Hemorragia abundante ou prolongada durante a menstruação.
  • Hemorragia anómala após extracção dentária, cirúrgica ou lesão.

A deficiência de Factor XI é diagnosticada por uma variedade de testes sanguíneo para analisar se existe um distúrbio hemorrágico e, caso exista, para determinar qual delas é.

É tratado com:
  • Medicamentos antifibrinolíticos (medicamentos que ajudam a parar a quebra natural dos coágulos sanguíneos e a uma recuperação mais rápida de uma hemorragia);
  • Concentrados de Factor XI;
  • Plasma Fresco congelado (FPC).

O que é a deficiência de Factor XII?

A deficiência de Factor XII (Factor estabilizador de fibrina) é um distúrbio hemorrágico hereditário, causado por um defeito ou falta de uma proteína sanguínea (Factor XII) que ajuda o sangue a coagular. É raro, afectando aproximadamente uma em 1 000.000 de pessoas. É um distúrbio autossómico recessivo”, o que significa que ambos os pais têm de ser portadores para o transmitir. Em mais de 80% dos casos, os sintomas começam no nascimento onde ocorre hemorragia do cordão umbilical. As pessoas com deficiência de Factor XIII, têm a tendência para terem durante toda a vida episódios hemorrágicos devido ao aparecimento precoce de hemorragias associadas ao cordão umbilical. Ou ao sistema nervoso central.

Os sintomas podem incluir:
  • Fraca cicatrização ou formação anómala de cicatrizes;
  • Hematomas graves;
  • Hemorragia prolongada após lesão;
  • Hemorragia retardada por horas ou dias após lesão;
  • Hemorragias articulares e musculares:
  • Hemorragia excessiva após cirurgia ou intervenções dentárias.

A deficiência de Factor XII é difícil de diagnosticar. Os testes padrão da coagulação sanguínea são normais e muitos laboratórios não têm muita experiência na realização das análises ao Factor. A alta incidência de hemorragias em bebés na altura do nascimento conduz normalmente a diagnósticos precoces.

A deficiência de Factor XIII é tratada com:
  • Concentrados de Factor XII;
  • Crioprecipitados;
  • Plasma fresco congelado (PFC).
Outros Distúrbios
Outros Distúrbios
  • Telangiectasia Hemorrágica Hereditária (Rendu-Osler-Weber)
  • Púrpura Trombocitopénica Idiopática
  • Síndrome de Bernard-Soulier
  • Síndrome de Ehlers Danlos
  • Trombastenia de Glanzmann
Estão agora disponíveis duas brochuras acerca da Trombastenia de Glanzmann, que esperamos possam enriquecer a variedade de documentação existente na APH. Estas brochuras são dedicadas a um distúrbio hemorrágico hereditário raro, desconhecido da grande maioria das pessoas. Este é um contributo para um maior conhecimento e desmistificação de algumas dos preconceitos associados a este tipo de patologias. Venha conhecer a Trombastenia de Glanzmann, alguma da informação contida nestas brochuras é transversal e pode ser adaptada a outras realidades. Pode fazer aqui o download destas brochuras. Clique no link ao lado da brochura. Vem conhecer a TB

Púrpura trombocitopénica trombótica (PTT)

Isabel Paulos Mesquita, Interna da Formação Específica em Hematologia Clínica – Hospital de Santa Maria, Lisboa

O que é a Púrpura trombocitopénica trombótica (PTT)? A PTT resulta de um défice da enzima ADAMTS13, que regula a ligação das plaquetas aos vasos sanguíneos. Havendo níveis baixos ou inexistência desta enzima, as plaquetas vão se agregar e formar pequenos trombos dentro dos vasos, impedindo que o sangue circule corretamente até aos vários órgãos. O défice desta enzima pode ser congénito, se houver uma mutação no gene da ADAMTS13 que impede a produção da enzima e a doença manifestar-se ainda na infância ou mais raramente no início da idade adulta. Mais frequentemente, o défice é adquirido, surgindo mais tarde e geralmente devendo-se à presença de anticorpos que o corpo produz contra esta enzima (processo autoimune). O fator desencadeante para o aparecimento da PTT nem sempre é identificado, mas sabe-se que pode surgir no contexto de doenças autoimunes (como o Lúpus Eritematoso Sistémico), infeções, medicamentos novos, doenças oncológicas, gravidez, entre outros. A PTT é uma doença rara, que afeta anualmente cerca de 6 pessoas em cada milhão de habitantes na sua forma adquirida (PPTa), sendo a forma congénita ainda mais rara. A sua prevalência em Portugal não está totalmente estudada. Afeta sobretudo adultos jovens, do sexo feminino, e tem um impacto importante na qualidade de vida dos doentes. Quais são as manifestações da PTTa? Nas análises de um doente com PTT, o que chama logo à atenção são os níveis muito baixos de plaquetas, ou trombocitopenia (que vão ser usadas para formar os trombos) e anemia (porque os glóbulos vermelhos vão ser destruídos ao tentar passar pelos trombos). A trombocitopenia pode causar hemorragias e/ou manchas de dimensões variadas espalhadas pelo corpo (petéquias, equimoses, hematomas). A anemia pode-se traduzir por cansaço, sonolência e palidez. Como o sangue não chega corretamente aos vários órgãos, podem surgir sintomas muito variados e pouco específicos, chamando a atenção para os sintomas neurológicos (como confusão, dores de cabeça, dificuldade em falar ou em mexer certas partes do corpo, alterações na sensibilidade da face ou dos membros, convulsões ou até mesmo coma) e abdominais (como dor, diarreia, náuseas, vómitos). Outro sintoma que pode surgir é febre. Esta doença é muito imprevisível e, de um momento para o outro, podem surgir alterações mais graves, potencialmente fatais se o diagnóstico não for feito e não se começar logo tratamento. Como é feito o diagnóstico de PTTa? Devemos suspeitar de PTTa quando se deteta anemia e a trombocitopenia nas análises, associadas aos sintomas já mencionados. No entanto, o diagnóstico nem sempre é fácil porque pode haver várias doenças a dar alterações semelhantes, e porque estas alterações nem sempre surgem em simultâneo. A confirmação da PPTa é feita por uma análise que permite medir os níveis e atividade da enzima ADAMTS13 e ver se há ou não anticorpos contra ela, mas que infelizmente ainda não está disponível na maioria dos hospitais do país. Sendo a PTTa uma doença rara, muitas vezes não é a primeira opção de diagnóstica e isto pode ter graves implicações, porque a mortalidade sem tratamento é muito alta e, mesmo com o tratamento instituído, por vezes a doença pode progredir de tal forma que é preciso internamento em unidade de cuidados intensivos, e surgirem lesões irreversíveis ou mesmo fatais. Qual o tratamento da PTTa? O tratamento da PTTa implica internamento para fazer plasmaférese, que funciona como uma filtragem do sangue. O plasma do doente (uma das partes do sangue, onde estão os anticorpos e onde devia haver a enzima ADAMTS13) vai ser removido de circulação e é substituído por plasma novo com a enzima que estava em falta e sem os anticorpos. Este tratamento é feito diariamente até haver normalização dos valores das plaquetas e o doente já não ter sintomas. Para além da plasmaférese, o doente também começa a fazer corticoides, que são imunossupressores, ou seja, vão inibir o sistema imunitário e impedir que haja formação de novos anticorpos. No entanto, se isto não for suficiente, pode ser necessário fazer outro tipo de imunossupressão mais forte. Outro medicamento que surgiu mais recentemente é o Caplacizumab que, explicando de uma forma simples, vai impedir que as plaquetas se agreguem em trombos. Assim, consegue-se ganhar algum tempo enquanto os outros tratamentos fazem o seu papel. Estes tratamentos acabam por se complementar uns aos outros e nunca devem ser feitos separadamente. Quando já não há trombocitopenia, e avaliando caso a caso, é possível suspender a plasmaférese e o doente ter alta, continuando o seguimento e tratamentos em ambulatório. Paralelamente ao tratamento, é preciso fazer exames para investigar qual foi o fator desencadeante da doença, apesar de muitas vezes não se conseguir identificar nenhum. Como vive um doente com PTTa? Depois do doente sair do episódio agudo, é preciso manter tratamento com imunossupressores durante algum tempo e só se vai reduzindo a dose conforme os resultados das análises. Dependendo da gravidade das manifestações que o doente apresentou, pode haver sequelas e ser mais difícil recuperar a atividade normal, quer física quer psicologicamente. No entanto, é importante relembrar que, assim que seja possível, o doente pode (e deve!) voltar à sua vida normal. O doente irá manter seguimento médico por tempo indeterminado porque, infelizmente, há sempre risco de recaída da doença, havendo doentes que têm recaídas mais frequentes e doentes que podem nunca recair. Por isso, muitas pessoas vivem o seu dia-a-dia com insegurança e receio que volte a haver um episódio agudo da doença. TESTEMUNHO DE DOENTE – “Descobrir a sigla PTTa”, Filipa Afoito Em junho de 2019 andava bastante ansiosa e nervosa e comecei a sentir arritmias. Fiz análises e exames e fui diagnosticada com hipertensão arterial e devidamente medicada. Dia 8 de janeiro de 2020, comecei a ficar com a mão e a boca dormentes, dificuldade em falar e cerca de 20 minutos sem conseguir ver mais que uma luz branca. Mais uma ida ao hospital e outra bateria de análises e exames, agora para despiste de esclerose múltipla, que acabou por ser descartada. Cada vez mais cansada, ficava esgotada ao subir escadas. No dia 11 de janeiro (Dia D), verifiquei que tinha as pernas negras e fui novamente para o hospital. Tinha as plaquetas e os glóbulos vermelhos com níveis tão baixos que a indicação foi de internamento. Se por umas vezes não dizia coisa com coisa, outras era bastante coerente. Um dia, estava a falar com o meu marido, comecei a ficar tonta, e desmaiei. Pelo que sei, tive convulsões e acabei por ser internada na UCI. O mês seguinte só existe na minha memória pelo que me contaram depois. Muitos dias na UCI e refratária à maioria dos tratamentos. Coma induzido e muitas incertezas relativamente ao prognóstico. Depois das várias abordagens terapêuticas, graças à medicação nova, à fantástica equipa clínica (todos os profissionais de saúde), à minha família que nunca que me deixou só, a todos que rezaram por mim em todo o mundo, a Deus que ouviu, e muito honestamente, graças a mim também, finalmente “dei a volta”. Tenho dois filhos maravilhosos que nunca me saíram da cabeça quando estive acordada, e de certeza que também lá estavam quando “dormia”. Tive alta a 11 de março (2 meses depois). O período imediatamente após a alta foi muito duro e tive de reaprender muito (até como andar). Esses problemas foram ultrapassados e ficou a epilepsia e a consequente medicação. Sou acompanhada com regularidade no Hospital de Santa Maria. Não consigo olhar para trás e ver tudo o que aconteceu como algo negativo (exceto o sofrimento da minha família e, em especial, a provação que a minha filha passou). A capacidade que o meu cérebro tem de eliminar as más memórias, é proporcional à extraordinária capacidade que o meu corpo teve para ultrapassar tudo e recuperar em tempo recorde. Sei que a PTTa vive comigo, mas na minha cabeça não voltará, e, se voltar, já há experiência e solução (rezo eu). A minha memória já não era boa e depois do que aconteceu ficou bem pior. Passado um ano, fico sempre na dúvida se posso fazer isto ou aquilo, mas uma coisa sei, tenho que aproveitar ao máximo esta vida que pode ir embora com a mesma velocidade que com que veio.
  • Artigo publicado no Boletim Hemofilia nº 170